Unidade I- Introdução ao estudo do Direito Penal Econômico e supraindividual

“Com a industrialização, o desenvolvimento de novas áreas do saber humano e o fenômeno da globalização cada vez mais presente, constata-se nos dias atuais o surgimento de uma sociedade de riscos globais. E, com isso, a necessidade de fortalecimento de um sistema protetivo do intervencionismo estatal na medida em que se demanda uma maior presença do Estado na sociedade, afim garantir uma convivência ordenada e pacífica. Nesse contexto, a estrutura tradicional do Direito Penal não consegue alcançar estas novas formatações da atividade criminosa, sendo necessária a ampliação do objeto da tutela penal para além dos bens jurídicos individuais, alçando-se os bens jurídicos supraindividuais“.

  • O direito precisa se adaptar ao comportamento social
  • Sociedade de riscos (Ulrich Beck)
    • “O risco ao qual Beck se refere é o perigo associado a um componente decisório: risco é algo que se corre. É o perigo inerente a alguma coisa que se decide enfrentar. É uma probabilidade. E o reconhecimento de sua onipresença é a constatação de uma normalidade: o risco se tornou não o momento de estranhamento (como o medo do desemprego no século XIX), mas o elemento central, a rotina, da vida na, para ele, “sociedade industrial de risco”.
    • “A tese é relativamente simples: é consenso nas ciências sociais que o mundo ocidental sofreu uma guinada consistente ao passar da sociedade feudal e agrária para a capitalista e industrial. Era o advento da modernidade, que estabeleceu um nova forma de produção e distribuição de bens e uma nova forma de relações entre os homens, na qual a produção estava associada à desigualdade. Essa modernidade industrial se desenvolveu profundamente, até sofrer uma nova guinada e alcançar uma condição que Beck, o britânico Anthony Giddens e o americano Scott Lash chamaram de “modernidade reflexiva”, um estado em que o mundo é dotado consciência de seu próprio estatuto. Nele, as instituições passaram a ter um papel menos determinante e a descentralização (e, portanto, uma certa individualização) tornou-se um traço definidor”.
    • Saímos de uma era de certezas para uma era de incertezas ,  de uma sociedade baseada em produção para uma sociedade de relações globalizadas, dotadas de muitas incertezas
    • “Modernidade reflexiva”
  • Direito Penal : os riscos se transformam
    • Riscos naturais X Riscos exógenos
      • Riscos exógenos: riscos produzidos pelo próprio homem. Quanto mais industrializada a sociedade, maiores são os riscos exógenos
    • Os riscos naturais foram “domados” pelos homens e a maior preocupação passa a ser com os riscos exógenos
    • A existência humana, com seu modo de vida, cria cada vez mais riscos para própria humanidade
  • Forma comum de reagir aos riscos agressivos : Antecipação dos riscos
    • Direito vai se acelerar também
    • Direito Penal assume um papel de ‘salvador’
  • As transformações do Estado e a relação com o Direito Penal
    • Com o aumento de riscos nas relações sociais, o Direito Penal é visto como a forma de solucioná-los, antecipando-os e aumentando as punições em caráter preventivo. Com isso, o Direito Penal fica superdimensionado e as pessoas passam a criar novos jeitos de fraudar a lei.
  • Mudança de paradigmas: do individual para o supraindividual
    • Agrega-se à proteção individual novas premissas que também devem ser protegidas: as questões supraindividuais. Por exemplo, a proteção do meio ambiente, do sistema financeiro e da ordem econômica
    • Essa migração deve respeitar aos princípios do Direito Penal
    • Tradicionalmente, a lógica do Direito Penal é a proteção do indivíduo. Mas, é necessária uma proteção coletiva, com novas premissas, assegurando os interesses difusos, coletivos, supraindividuais
    • “O reconhecimento da existência de uma sociedade de riscos, atuais e potenciais, requer do Estado uma nova concepção intervencionista, cuja expansão acaba por influenciar o Direto Penal tradicional. Impõe-se a tutela de valores diversos daqueles até então protegidos. Neste contexto surge o Direito Penal Econômico, substituindo os problemas individuais pelos conflitos supraindividuais. Com tal estratégia punitiva, alcançou-se os crimes de perigo abstrato numa sociedade de riscos Ulrich Beck (apud SÁNCHEZ, 2002, p. 29). Requer-se, então, uma proteção dirigida aos bens jurídicos vitais a uma coletividade: os supraindividuais considerados bens jurídicos universais”.

Qual a relação da economia com o estado? Como o Direito Penal entra nessa relação? 

“Não é recente a relação entre Direito Penal e economia, nem tampouco exclusividade do sistema capitalista, consoante se pode verificar por meio de uma referência histórica. Inicialmente remotos e esparsos, os casos de tal imbricamento vão assumir algum sentido maior de proteção econômica somente a partir do liberalismo e, num terceiro momento, característico do Estado de Bem-Estar Social, ostentar um fundamento ordenador com intuito simultâneo de tutela do modelo econômico estatal vigente e assecuração das políticas públicas deste modelo. Por fim, constata-se uma fase última, que se afasta do Estado de Bem-Estar Social, de retratação do papel estatal relativamente à economia”.

  • Primeira fase : Casuísmo Legislativo
    • Proibições esporádicas e envoltas em peculiaridades de contextos sociais específicos
    • Ex: Na Grécia Antiga, cujo sistema econômico era escravista, as moedas, conhecidas pelos gregos antes dos romanos, tinham sua falsificação punida com a pena de morte
    • “Até esse momento histórico, conforme o próprio teor exemplificativo demonstra, por seu casuísmo, há na utilizaão do controle penal de assuntos de interesse da economia mero sentido de busca por correção de situações pontuais, sem sistematização ou uma lógica evolutiva, quer legislativa ou dogmática”
  • Segunda fase: Proteção ao liberalismo
    • Estado liberal; liberalismo político
    • “A matriz jurídica do Estado liberal, pressupõe, notadamente, a estreita separação entre Direito público e privado e o predomínio da autonomia da vontade provada na esfera econômica”
    • Estado não intervia na economia (liberalismo clássico)
    • Ausência do Estado na iniciativa privada
    • Estado apenas intervia na vida, patrimônio e liberdade
    • Direito Penal não tinha interesse nela relação
  • Terceira fase: Estado do bem-estar-social 
    • “É apenas com o surgimento do intervencionismo do Estado do Bem-Estar-Social- Welfare State-, decorrente das guerras mundiais do século XX e, no interregno destas, da crise de 1929, que se inicia uma sistemática centralização de regramento econômico, com vistas à proteção de economias nacionais fragilizadas, utilizando-se amplamente do Direito Penal para tanto. A partir daí começam as preocupações dogmáticas sobre a relação entre este ramo jurídico e a economia”
    • Estado passa a regulamentar os direito sociais
    • Estado passa a ter que intervir na economia a, para tanto, precisa do Direito Penal
    • Quanto mais Estado na economia, mais Direito Penal na economia
  • Quarta fase: Retração do papel do Estado
    • “Os Estados Unidos começam, nos anos 70, a sofrer com uma série de dificuldades econômicas e políticas deflagradas por diversos fatores como a Guerra do Vietnã, os choques petrolíferos e a retração econômica mundial deles decorrentes e o escândalo de Watergate”.
    • Crise econômica nos EUA e, por consequência, na economia mundial
      • Nesse contexto, EUA adota uma política de redução da intervenção do Estado na economia
      • “Essa política de superação do Estado do Bem-Estar-Social por um modelo de mínima intervenção estatal, sintetizada pela expressão “Consenso de Washington”, consagrou no Direito Econômico uma postura de fixação de marcos regulatórios, ou seja, o Estado busca apenas gerenciar os atores econômicos com vistas à assecuração do modelo vigente, sem interferir de forma mais significativa no mercado, que deve funcionar livremente.
    • “Isso não significou, contudo, uma diminuição do Direito Penal na seara econômica. Ao revés, neste cenário, de passagem da sociedade industrial para pós-industrial, em que novos riscos sociais foram revelados, o Direito Penal reafirmou-se como instrumento garantidor da política econômica estatal vigente e como instrumento de gerenciamento de riscos de uma sociedade altamente complexa
    • Neoliberalismo: tendência de menos Estado na economia e, em tese, consequentemente menos Direito Penal na economia. Porém ,não é o que acontece. O Direito Penal não sai da economia
  • O surgimento do Direito Penal econômico ocorre devido à maior intervenção do Estado na economia e a relação entre eles é diretamente proporcional, ou seja, quanto mais intervenção do Estado , mais Direito Penal haverá na economia

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