“É notório que os princípios assumem um papel de grande importância na atual codificação privada brasileira. Atualmente, é até comum afirmar que o Código Civil de 2002 é um Código de Princípios, tão grande a sua presença na codificação vigente (…) Nesse sentido, repise-se que os princípios são regramentos básicos aplicáveis a um determinado instituto jurídico, no caso em questão, aos contratos”. (TARTUCE, FLÁVIO)
- A concepção contemporânea dos princípios clássicos são resultado da adoção de dos princípios contemporâneos : o princípio da boa fé objetiva e o da função social dos contratos
Princípio da boa-fé objetiva
“Uma das mais festejadas mudanças introduzidas pelo Código Civil de 2002 refere-se à previsão expressa do princípio da boa-fé contratual, que não constava da codificação de 1916″.
- Noções preliminares: Arts.113,161,167,§2,242,422,518 e 197 do Código Civil
- Art.113: Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração
- Art. 161. A ação, nos casos dos arts. 158 e 159, poderá ser intentada contra o devedor insolvente, a pessoa que com ele celebrou a estipulação considerada fraudulenta, ou terceiros adquirentes que hajam procedido de má-fé.
- Art.167,§2: § 2o Ressalvam-se os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contraentes do negócio jurídico simulado.
Boa-fé subjetiva e Boa-fé objetiva
- Boa-fé subjetiva
- Concepção psicológica do sujeito
- Âmbito interno das partes contratuais
- Intenção do sujeito de direito
- Necessidade de depoimento pessoal para possível prova
- Não existe princípio da boa-fé subjetiva
- Boa-fé objetiva
- “Desde os primórdios do Direito Romano, já se cogitava outra boa-fé, aquela direcionada à conduta das partes, principalmente nas relações negociais e contratuais. Com o surgimento do jusnaturalismo, a boa-fé ganhou, no Direito Comparado, uma nova faceta, relacionada com a conduta dos negociantes e denominada boa-fé objetiva”
- Não é o que a pessoa pensa, é o que a pessoa faz
- Conduta ; comportamentos faticamente comprováveis
- Exigência de conduta leal dos contratantes, “está relacionada com os deveres anexos ou laterais de conduta, que são ínsitos a qualquer negócio jurídico, não havendo sequer a necessidade de previsão no instrumento negocial”
- É uma norma princípio, impõe um comportamento
- Normas que tratam especificamente do princípio da boa-fé objetiva:
- Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.
- Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
- Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
- Exemplos de deveres anexos impostos por esse princípio:
- Dever de cuidado em relação a outra parte negocial
- Dever de respeito
- Dever de informa a outra parte sobre o conteúdo do negócio
- Dever de agir conforme a confiança depositada
- Dever de lealdade e probidade
- Dever de colaboração ou cooperação
- A má-fé está relacionada com o campo subjetivo e psicológico da parte. Consequentemente, ela se correlaciona com a boa-fé subjetiva. Portanto, se existir um correlato com a má-fe, trata-se da boa-fé subjetiva, por outro lado, se for utilizada a expressão “princípio”, trata-se da boa-fé objetiva
- A boa-fé é um princípio que impõe condutas e comportamentos esperados, a depender do local, tempo e tipo de contrato realizado (contexto do contrato). Por isso, para saber o que ela exige em cada caso concreto é necessário fazer uma pergunta correlata: “Quais são os comportamentos esperados naquele determinado contrato?”
- Cáio Mário: O princípio da boa-fé objetiva traz a eticidade para dentro do direito
Funções
“Além da relação com os deveres anexos, decorrentes de construção doutrinária, o Código Civil de 2002, em três dos seus dispositivos, apresenta três funções importantes da boa-fé objetiva”
Função interpretativa da boa-fé (Art.113,CC)
- Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.
- “Nesse dispositivo, a boa-fé é consagrada como meio auxiliador do aplicador de direito para a interpretação dos negócios, da maneira mais favorável a quem esteja de boa-fé”
- Ex: Seguro de vida e beneficiário : suicídio nos primeiros dois anos de contrato (S.A.A: TJMG 1; TJMG 2, Súmula 61 STJ e 105 STF)
- “Conforme iterativa jurisprudência do STJ, “o fato de o suicídio ter ocorrido
no período inicial de dois anos de vigência do contrato de seguro, por si só,
não autoriza a companhia seguradora a eximir-se do dever de indenizar,
sendo necessária a comprovação inequívoca da premeditação por parte do segurado, ônus que cabe à seguradora, conforme as Súmulas 105/STF e
61/STJ expressam em relação ao suicídio ocorrido durante o período de
carência.” (AgRg no AREsp 42.273/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE
SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 18/10/2011, DJe 25/10/2011)
– A exegese do artigo 798 do Código Civil deve realizar-se de modo a
abarcar uma interpretação sistemática e convergente ao disposto nos artigos
113 e 422 do mesmo diploma legal, que evidenciam a boa-fé como um dos
princípios norteadores da codificação civil”
- “Conforme iterativa jurisprudência do STJ, “o fato de o suicídio ter ocorrido
- Obs: Enunciado 176, JDC: Em atenção ao princípio da conservação dos negócios jurídicos, o art. 478 do Código Civil de 2002 deverá conduzir, sempre que possível, à revisão judicial dos contratos e não à resolução contratual
- Sempre que possível, conservar os contratos
- Art.112,CC: Teorias
- Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem.
- Acerca da interpretação das declarações de vontade presentes em um contrato, existem duas teorias. A teoria da declaração defende que aquilo que está expresso vale mais do que a intenção da parte. Já a teoria da vontade defende que a intenção da parte vale mais do que aquilo que está declarado. O Código Civil de 2002, adotou a teoria da vontade em seu art.112. Entretanto, atualmente uma terceira teoria prevalece, que é a chamada Teoria da confiança. De acordo com ela, o art.112 deve ser interpretado em conjunto com o 113, não podendo a real intenção da parte ser muito diferente dos comportamentos esperados e impostos pela boa-fé objetiva. Vale dizer, a intenção prevalece sobre a declaração literal, mas, para isso, essa intenção não pode ser muito discrepante quando comparada com aquilo que era esperado e imposto pelo princípio da boa-fé objetiva
Função supletiva ou integrativa (Art.422,CC)
- Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
- Aplicação da boa-fé em todas as fases processuais
- A boa-fé objetiva vai integrar condutas no contrato, como se dele fizesse parte, mesmo que não estiverem previstas
- Enunciado 26, JDC : A cláusula geral contida no art. 422 do novo Código Civil impõe ao juiz interpretar e, quando necessário, suprir e corrigir o contrato segundo a boa-fé objetiva, entendida como a exigência de comportamento leal dos contratantes.
- Violação positiva
- “O contrato, embora cumprido pela parte contratada, pode vir a sê-lo de forma defeituosa, ensejando o dever de reparar eventuais danos daí advindos”
- Fonte: https://vitorgug.jusbrasil.com.br/artigos/295860847/voce-sabe-o-que-e-violacao-positiva-do-contrato
- Ampliação do conceito de adimplemento
- O devedor cumpre a prestação, mas mesmo com o cumprimento, há violação do contrato, pois o adimplemento exige mais do que a simples prática da conduta
- Por cumprir a obrigação, o devedor atuou, teve uma conduta ativa, positiva. Entretanto, apesar de ter cumprido a conduta, ele não fez a conduta de forma adequada, como deveria, respeitando os deveres anexos impostos pela boa fé, por isso, violou o contrato de forma positiva.
- Ex: Empresa instala outdoors virados para terrenos baldios…
- Ex: TJMG 3 (S.A.A)
- Enunciado 24, JDC: em virtude do princípio da boa-fé, positivado no art. 422 do novo Código Civil, a violação dos deveres anexos constitui espécie de inadimplemento, independentemente de culpa.
- “A quebra dos deveres anexos gera a violação positiva do contrato, com responsabilidade civil objetiva daquele que desrespeita a boa-fé objetiva”
- “O contrato, embora cumprido pela parte contratada, pode vir a sê-lo de forma defeituosa, ensejando o dever de reparar eventuais danos daí advindos”
- Dever de mitigar o próprio prejuízo (“Duty to mitigate the loss”)
- Modifica o conceito de colaboração no contrato
- Exige uma conduta ativa e ética não só do devedor, mas também do credor
- O credor tem o dever de mitigar, ou seja, reduzir, o próprio prejuízo
- Exige uma postura ativa e ética do credor
- “A parte que invoca a quebra do contrato deve tomar as medidas razoáveis, levando em consideração as circunstâncias, para limitar a perda, nela compreendida o prejuízo resultante da quebra. Se ela negligencia em tomar tais medidas, a parte faltosa pode pedir a redução das perdas e danos, em proporção igual ao montante de perda que poderia ter sido diminuída”
- Enunciado 169, JDC: O princípio da boa-fé objetiva deve levar o credor a evitar o agravamento do próprio prejuízo
- Ex: Credor fica passivo até o máximo permitido pela prescrição, para cobrar um valor maior. Essa teoria diz que o credor deve ter uma posição ativa, evitando o agravamento do próprio prejuízo, ou seja, um valor maior a ser cobrado
Função de controle (Art.187,CC)
- Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
- Teoria do abuso de direito
- A boa-fé limita o direito
- Se a pessoa abusa do exercício dos direito do contrato configura-se violação à boa-fé objetiva
- Teoria de adimplemento substancial ou inadimplemento mínimo
- Ou você cumpre muito ou você descumpre pouco
- Quando o devedor descumpre o contrato, o credor tem o direito de extinguir/resolver o contrato ou ele mantém o contrato e cobra fora do prazo. Em situações que o devedor cumpriu uma grande parte da obrigação, ou seja, teve um inadimplemento mínimo, o exercício do direito de resolução do contrato pode caracterizar abuso de direito
- Ex: Devedor para de pagar na parcela 57 de 60 parcelas. Nesse caso, não é razoável que o credor resolva o contrato, retornando ao status quo ante. Com base na teoria do adimplemento substancial, a resolução do contrato nessas condições caracterizaria abuso de direito
Princípio da Função Social dos Contratos
Nesse contexto, o contrato não pode ser mais visto como uma bolha, que isola as partes do meio social. Simbologicamente, a função social funciona como um agulha, que fura a bolha, trazendo uma interpretação social dos pactos“
- Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.
- “Conceitua-se o regramento em questão como sendo um princípio de ordem pública -art.2035, parágrafo único, do Código Civil-, pelo qual o contrato deve ser necessariamente, interpretado e visualizado de acordo com o contexto da sociedade”
- A função social tenciona o princípio da relatividade
Funções externas (eficácia externa)
- Formas de aplicação
- Não prejudicar a coletividade
- Não prejudicar 3º (ofendido)
- O contrato não pode prejudicar terceiro individualizado, este será protegido com fundamentos no princípio da função social dos contratos
- Ex: Súmula 529,537,STJ ; Enunciado 544, JDC; Súmula 308,STJ
- Terceiro tem direito de demandar contra as 2 partes contratuais : contra uma parte pelo vínculo jurídico e contra a outra pelo princípio da função social
- 3º não pode prejudicar o contrato
- 3º ofensor: violador do direito geral de abstenção
- Terceiro que influencia negativamente no contrato
- Princípio da função social protege a parte contratual diante do terceiro que ofende o contrato
- Tutela externa do crédito : “Possibilidade do contrato gerar efeitos perante terceiros ou de condutas de terceiros repercutirem dentro do contrato. Com exemplo, pode ser citada a norma do art.608 do CC, segundo a qual aquele que aliciar pessoas obrigadas por contrato escrito a prestar serviços a outrem, pagará a este o correspondente a 2 anos de prestação de serviços”
Funções internas (eficácia interna)
- A função social gera limitação dentro do contrato?
- Corrente 1 : A Função Social só tem função externa e não se aplica dentro do contrato, é um princípio complementar ao da boa-fé objetiva
- Corrente 2: A Função Social é exigida dentro e fora do contrato e protege o interesse social dentro do contrato
- Reconhecida pelo Enunciado n.360 CJ/STJ, aprovado na IV Jornada de Direito Civil
- Corrente majoritária
- A eficácia interna da função social tem 5 aspectos principais:
- Proteção dos vulneráveis contratuais
- Vedação da onerosidade excessiva ou desequilíbrio contratual
- Proteção da dignidade humana e dos direitos da personalidade no contrato
- Nulidade de cláusulas antissociais, tidas como abusivas
- Tendência de conservação contratual, sendo a extinção do contrato a última medida a ser tomada, a ultima ratio