- CF, Art. 226, § 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
- CC, Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família
“O casamento se cria por meio do Direito, razão pela qual é possível lhe impor a satisfação de formalidades jurídicas e a observância de certos requisitos. A união estável, por sua vez, apresenta-se socialmente sem ter passado por qualquer procedimento jurídico prévio. O Direito é chamado apenas a disciplinar seus efeitos, o que compromete, em parte, a tentativa de lhe conferir certos atributos. A pretensão de realizar sobre a união estável o mesmo controle que se faz sobre o casamento é impotente” (2012, p. 287).
Histórico da união estável no ordenamento jurídico brasileiro
- No Brasil, desde a época colonial até a CR/88 família era igual a casamento, conforme se verifica pela disposição do art. 229 do Código Civil de 1916:
- CC/16, Art. 229. Criando a família legítima, o casamento legitima os filhos comuns, antes dele nascidos ou concebidos.
- A Constituição de 1988 fez uma verdadeira revolução no Direito de Família, trazendo mudanças radicais, todas orientadas pelo princípio da dignidade da pessoa humana
- Uma das principais mudanças trazidas pela CR/88 foi justamente ampliar o conceito de família, que não mais passou a se limitar ao casamento, estando expressamente previstas no texto constitucional outras formas de entidade familiar, como a união estável e a família monoparental (art. 226, §§ 3o e 4o, CR).
- Antes da CR/88, a hoje denominada união estável não era considerada entidade familiar, sendo tratada como uma mera sociedade de fato, regulamentada pelo direito das obrigações. Nesse sentido, confira-se a súmula 380 do STF, datada de 12.05.1964:
- “Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum”.
- Inclusive, conforme se verifica da súmula acima transcrita, a união estável, antes da CR/88, era chamada de concubinato (nome de origem pejorativa – significa “dormir com”, ou seja, mera companhia de cama).
- Após a CR/88, a união estável recebeu regulamentação legal apenas com a Lei no 8971/94, que trouxe disposições a respeito de alimentos, sucessão e meação na união estável. Referido diploma legal estabelecia os seguintes requisitos para se caracterizar uma união estável:
- Tratar-se de pessoas solteiras, separadas judicialmente, divorciadas ou viúvas
- O casal ter filho em comum ou conviver por mais de 5 anos
- Posteriormente, foi promulgada a Lei no 9278/96, que retirou a necessidade de filhos ou a convivência por mais de 5 anos como requisitos para a configuração de uma união estável, estabelecendo no art. 1o que “é reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família”.
- No CC/02, a união estável foi tratada nos artigos 1.723 a 1.726, sendo definidos os seus pressupostos no art. 1.723, que praticamente repetiu as disposições do art. 1o, da Lei 9.278/96
- Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.
- Em 2011, o STF proferiu uma importante decisão, reconhecendo a possibilidade de se configurar uma união estável entre pessoas do mesmo sexo (ADPF 132/RJ e ADIN 4277).
- Em 2017, outra importante decisão foi proferida pelo STF, ao equiparar os direitos sucessórios dos cônjuges e dos companheiros, reconhecendo a inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC (RE 646.721 e RE 878.694).
Requisitos para configuração
- Convivência: pública, contínua e duradoura
- Estabelecida com objetivo de constituir família
- Ausência de impedimentos
- CC, Art. 1.723, § 1o A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente.
- Uma pessoa casada pode constituir uma união estável, desde que esteja separada de fato
- É reconhecida a união estável entre pessoas do mesmo sexo
- Vamos estudar cada pressuposto da união estável de forma independente
Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.
1) Inexistência de impedimentos
- Todos os impedimentos do casamento se aplicam à união estável, com a exceção da pessoa casada (bigamia), que poderá constituir uma união estável, desde que já esteja separada de fato
- Ex: Uma pessoa não poderia constituir união estável com sua sogra, mesmo após o divórcio pela incidência de impedimento do Art. 1.521, II
- STJ, atualmente, não admite união estável concomitante a um casamento, sem separação de fato
- Informativo 494
“Ser casado constitui fato impeditivo para o reconhecimento de uma união estável. Tal óbice só pode ser afastado caso haja separação de fato ou de direito. Ainda que seja provada a existência de relação não eventual, com vínculo afetivo e duradouro, e com o intuito de constituir laços familiares, essa situação não é protegida pelo ordenamento jurídico se concomitante a ela existir um casamento não desfeito”.
- STJ não admite o reconhecimento de uniões estáveis paralelas
STJ entende de forma majoritária que também não seria juridicamente possível o reconhecimento de uniões estáveis paralelas, ou simultâneas, a partir da interpretação do art. 1723, §1o, CC, segundo o qual a pedra de toque para o aperfeiçoamento da união estável está na inexistência de relacionamento de fato duradouro, concorrente àquele que se pretende proteção jurídica
- Informativo 464
- Não obstante esse posicionamento do STJ, existem vários julgados dispersos que no caso concreto reconhecem uniões estáveis paralelas
Além disso, embora sem previsão legal específica, já se admitiu a denominada “união estável putativa”, em analogia ao “casamento putativo”, na qual o companheiro encontra-se de boa-fé, desconhecendo que o outro mantém casamento ou outra união estável concomitante
- Art. 1.727. As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato.
- Relações entre pessoas que não poderiam se casar não seriam uma união estável, mas sim um concubinato
- União estável putativa
- Quando uma das pessoas não tinha conhecimento de que a outra já tinha uma união estável
- Possibilidade de reconhecimento a depender do caso concreto e de prova da boa-fé
2) Objetivo de constituir família
- Questão subjetiva, mas que precisa ser apreciada de forma objetiva
- Traduz-se, portanto, na existência de uma relação afetiva madura entre o casal, o que se comprova pela apuração objetiva de fatos relativos à vida conjugal por eles mantida.
- Tem que ser presente e não uma projeção para o futuro
- Ex: morar junto, um ser dependente do plano de saúde do outro, um ter cartão de crédito vinculado ao outro, conta conjunta
- Obs: morar junto não é requisito para a configuração da união estável, mas é um forte indício
3) Estabilidade
- O relacionamento tem que ser estável, contínuo e duradouro, não pode ser eventual
- Não tem tempo mínimo, vai depender de cada caso e da presença de todos os requisitos
- Ex: É possível a configuração de uma união estável com 10 anos de relacionamento, assim como com 6 meses
- Também não é necessário filhos e nem coabitação
- “Pensa-se que a coabitação continua a ser irrelevante para a caracterização da união estável mas isso não porque esta seja uma convivência fugaz ou sem comprometimento, e sim porque a vida conjugal sob o mesmo teto não e a única prova possível da estabilidade. A inexistência de coabitação não é, por si só, prejudicial a constatação da união estável. Essa entidade familiar, enquanto tal, há de necessariamente compreender estabilidade; todavia, poderá demonstrá-la por outros fatores que não a coabitação” (2012, p. 301).
- Em suma, a estabilidade é um pressuposto da união estável. Contudo, ela pode ser extraída de aspectos variáveis, apresentados no caso concreto, independentemente da verificação de fatores rígidos e estanques, como tempo mínimo de convivência, filho ou coabitação.
4) Publicidade (Ostensibilidade)
- A sociedade enxerga o casal como uma família
- O relacionamento tem que ser ostensivo
- É a publicidade do caráter estável da relação familiar estabelecida pelos companheiros. Refere-se ao teor externo da estabilidade, consistindo nos seus vestígios públicos, sociais
- Por fim, pondere-se que constitui ônus daquele que alega conviver em união estável a comprovação da presença de todos os pressupostos acima elencados no relacionament
Efeitos da União Estável
Efeitos pessoais da união estável
1)Direitos e deveres recíprocos
- Art. 1.724. As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos.
- Lealdade (pressupõe a fidelidade), respeito, assistência, guarda, sustento e educação dos filhos
2) Acréscimo do sobrenome do outro
- Terá que ser feito por uma ação de retificação de registro do nome
- Arts. 57, §§ 2 e 3, Lei de registros públicos
3) Estar em união estável não altera o estado civil da pessoa
- Apesar disso, o CPC dita que a presença de uma união estável precisa ser informada nas petições iniciais (CPC, Art. 319, II)
4)Vínculo de Afinidade
- A União estável também estabelece o vínculo de afinidade
- Art. 1.595. Cada cônjuge ou companheiro é aliado aos parentes do outro pelo vínculo da afinidade.
Diferenças para os efeitos do casamento:
- A União estável não altera o estado civil da pessoa (Art. 319, II)
- A União estável não emancipa (Art.5, II)
- A União Estável não induz presunção de paternidade
Efeitos patrimoniais da união estável
- O supletivo legal na união estável também é a comunhão parcial de bens
- As partes podem estabelecer outro regime de bens para a união estável, por meio de um contrato escrito, que poderá ser público ou particular
- CC, Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.
- Em caso de pactos de regime diverso após a configuração da união estável, não há como atribuir efeitos retroativos
- Então, o novo regime de bens só irá vigorar a partir do pacto, sendo antes dela aplicável o supletivo legal
- CC, Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta: (…)
- Outorga do cônjuge, se aplicaria no caso da união estável?
- Uma norma restritiva de direito não pode ser interpretada de forma ampliativa. Além disso, não seria razoável exigir de um terceiro que saiba se a pessoa tem ou não uma união estável, que é uma situação de fato
“Destaque-se que a publicidade (feito por escritura pública no Cartório de Notas ou registrado no Cartório de Registro de Títulos e documentos) não se confunde com eficácia erga omnes. Por isso, entende-se que um negócio jurídico, com conteúdo previsto no art. 1647, CC, formulado por um dos companheiros sem outorga é válido, restando ao companheiro prejudicado o direito de exigir do outro o reembolso pelo prejuízo sofrido, salvo se averbado o contrato escrito ou a decisão de reconhecimento de união estável no respectivo Cartório de Registro de Imóveis, ou se comprovada a má-fé do adquirente, nos termos do informativo 554 do STJ
- Interpretação (informativo 554): Se a união estável estiver averbada no registro do imóvel, a assinatura do companheiro será necessária para validade do negócio jurídico
- As causas suspensivas se aplicam à união estável
- Em regra, por serem normas restritivas de direitos, não são estendidas à união estável
Nos termos do art. 1.723, §2o, CC/02, “as causas suspensivas do art. 1.523 não impedirão a caracterização da união estável”. Todavia, o STJ firmou entendimento no sentido de que impõe-se o regime da separação obrigatória de bens na união estável, quando presentes as hipóteses de causas suspensivas, conforme informativo no 616 do STJ
- STJ (informativo 616): No caso de pessoa maior de 70 anos na data de implementação dos pressupostos da união estável, o regime aplicável será o da separação obrigatória.
- Aplica-se a súmula 377
Direito intertemporal na união estável
Destaque-se que, desde o reconhecimento da união estável como entidade familiar pela CR/88, a regulamentação legal quanto aos efeitos patrimoniais da união estável se alterou até o advento do CC/02:
- Antes da CR/88
- União Estável não era família, era tida como uma Sociedade de fato
- Súmula 380 do STF: Bem adquirido pelo esforço comum era partilhável ( que podia ser financeiro ou indireto)
Aplicava-se a súmula 380 do STF às relações concubinárias (à época a união estável não havia sido reconhecida, juridicamente, como entidade familiar): “Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum”.
- Sociedade de fato: Patrimônio obtido como fruto de esforço comum era partilhável. Inicialmente, exigia-se a prova do esforço comum de natureza financeira. Posteriormente, admitiu-se que a contribuição fosse indireta, não financeira, como a realização de atividades domésticas, por exemplo
- CF/88
- União estável como família
- Art.226, §3: Legislação infraconstitucional
- Súmula 380, STF
Os tribunais exigiam regulamentação infraconstitucional a respeito da união estável, continuando a aplicar a sistemática da sociedade de fato na partilha de bens:
- Lei 8971/94
- Presunção relativa de incomunicabilidade
- Finalmente regulamentou a união estável no plano infraconstitucional, sendo que dispôs acerca dos efeitos patrimoniais da união estável no art. 3o, que exigia a prova do esforço comum para a partilha dos bens adquiridos na união estável:
- Art. 3o Quando os bens deixados pelo(a) autor(a) da herança resultarem de atividade em que haja colaboração do(a) companheiro, terá o sobrevivente direito à metade dos bens
- Lei 9.278/96
- Presunção relativa de comunicabilidade
- Estabeleceu, em seu art. 5o, a presunção legal (relativa) de esforço comum entre os companheiros:
- Art. 5° Os bens móveis e imóveis adquiridos por um ou por ambos os conviventes, na constância da união estável e a título oneroso, são considerados fruto do trabalho e da colaboração comum, passando a pertencer a ambos, em condomínio e em partes iguais, salvo estipulação contrária em contrato escrito.
§ 1° Cessa a presunção do caput deste artigo se a aquisição patrimonial ocorrer com o produto de bens adquiridos anteriormente ao início da união.
§ 2° A administração do patrimônio comum dos conviventes compete a ambos, salvo estipulação contrária em contrato escrito.
- Art. 5° Os bens móveis e imóveis adquiridos por um ou por ambos os conviventes, na constância da união estável e a título oneroso, são considerados fruto do trabalho e da colaboração comum, passando a pertencer a ambos, em condomínio e em partes iguais, salvo estipulação contrária em contrato escrito.
- CC/2002
- Comunhão parcial de bens : presunção absoluta de comunicabilidade
- Súmula 556, STJ
- Estabeleceu-se para a união estável as mesmas regras dos regimes de bens do casamento, sendo que, às uniões estáveis que adotarem o regime da comunhão parcial de bens, há a presunção legal absoluta de esforço comum.
- CC, Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.
Na União estável, não importa quando ela começou ou quando se dissolveu, mas sim o momento de aquisição de cada bem. É a partir dessa data que será definido quais regras jurídicas serão aplicadas (informativo 556, STJ).
“Na partilha decorrente do fim de união estável, faz-se necessário observar a data de aquisição de cada bem discutido. Ou seja, não importa a data de constituição ou de dissolução da união estável. Nesse sentido encontra-se o informativo 556 do STJ
Conversão da União Estável em casamento
- O art. 226, §3o, da CR/88, dispõe que “para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”.
- Quanto à possibilidade de conversão da união estável em casamento, a Lei no 9.278/96 dispõe, no art. 8o:
- Art. 8° Os conviventes poderão, de comum acordo e a qualquer tempo, requerer a conversão da união estável em casamento, por requerimento ao Oficial do Registro Civil da Circunscrição de seu domicílio.
- Por sua vez, o Código Civil dispõe, no art. 1.726:
- Art. 1.726. A união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil.
- Interpretando ambas as normas em consonância com o art. 226, §3o, da CR/88, o STJ decidiu que os companheiros podem optar por fazer o procedimento de conversão tanto pela via administrativa quanto pela via judicial, conforme informativo no 609 do STJ
- Obs: Contrato de Namoro: majoritariamente, a doutrina e a jurisprudência apontam que seria ineficaz a elaboração de um contrato de namoro, no qual as partes afirmem que não vivem em união estável, visto que tal entidade familiar é informal e se constitui caso presentes os pressupostos elencados no art. 1.723 do CC.
- Não terá eficácia se os pressupostos da união estável se configurarem