- Hoje não se contesta a necessidade de se interpretar a lei. Mas, antigamente, vários autores não aceitavam a necessidade de interpretar a lei, por receio do sistema penal inquisitivo ou inquisitório, em que o juiz tinha poderes ilimitados, o que causava muito abuso de poder. Nesse sistema, o juiz além de julgar, também acusava. Então, interpretar a lei seria aumentar ainda mais os poderes do juiz
- Mas, com o advento da Revolução Francesa, o inquisitivo acabou e com ele acabaram também as razões para ter receio de interpretar a lei
- Toda palavra existe para algo significar
- Interpretar é consultar o desejo da norma, a substância da norma
- Examina-se a forma para encontrar a substância
- Interpretar a lei é absolutamente necessário
- Existem várias formas de se interpretar a lei
- 1- Interpretação autêntica
- A própria lei se interpreta
- Tem artigos da lei que são feitos exatamente para se interpretar
- São normas conceituais
- Há um capítulo no CP (a partir do Art.312) dedicados aos crimes praticados por funcionário público contra a administração em geral
- Crimes próprios, que exigem uma qualidade especial de seu sujeito ativo (somente funcionários públicos podem pratica-los)
- A própria lei emite um conceito, interpretando, em seu Art.327 do CP
- 2- Interpretação doutrinal
- Feita pela doutrina
- 3- Interpretação judicial
- Não é necessariamente a jurisprudência (decisões reiteradas e no mesmo sentido)
- A interpretação judicial é a adequação de um texto legal vigente à uma hipótese concreta
- Entre a interpretação doutrinal e a judicial, qual é a mais ampla?
- A doutrinal, pois é ilimitada, enquanto a judicial é limitada ao texto legal e ao caso concreto
- 4- Interpretação gramatical ou literal
- Efetivamente o que está escrito na norma
- Ex: Quando o CPP ficou pronto em 1941, em seu Art.4, trouxe a previsão da polícia judiciária
- Estava errado, pois polícia não tem jurisdição , mas sim circunscrições
- Ninguém fez uma interpretação literal desse artigo porque era claro que se tratava de um erro
- Ex: Quando o CPP ficou pronto em 1941, em seu Art.4, trouxe a previsão da polícia judiciária
- Efetivamente o que está escrito na norma
- 5- Interpretação lógica
- Art.155, CP: “furto simples”- caput ; agravante – §1; privilegiada – §2; qualificada- §4
- §4: o furto é qualificado, mas tem os privilégios da forma privilegiada. Tem lógica?
- Se o legislador pretendesse que o privilégio se estendesse a toda figura do furto, teria tratado dele no último parágrafo. Ao tratá-lo no segundo paragrafo, deve-se aplicá-lo somente aos parágrafos anteriores, não o aplicando à forma qualificada, prevista no parágrafo quarto
- Porém, embora essa seja a interpretação lógica, os tribunais concedem os benefícios do privilégio também às figuras qualificadas
- Art.155, CP: “furto simples”- caput ; agravante – §1; privilegiada – §2; qualificada- §4
- 6- Interpretação sistemática
- A interpretação deve ser sistemática sempre, ou seja, um dispositivo legal somente faz sentido quando examinado no contexto do sistema em que está inserido
- Nunca se deve examinar um dispositivo isoladamente
- Ex: Art.28, CPP: “Se o órgão do MP, ao invés de apresentar denúncia…”
- Olhando somente esse Art.28 ele significaria uma ressalva à regra da obrigatoriedade, que diz que o MP deve oferecer denúncia
- Mas, fazendo uma interpretação sistemática, passando também pelo Art.24 do CPP, que diz que nos crimes de ação penal pública esta será promovida por denúncia do MP, consubstanciando o principio da obrigatoriedade, torna-se possível interpretar o Art.28 e entender que o MP apenas não apresentará denuncia se ele tiver razões procedentes, ou seja, ele não tem poder discricionário
- 6- Interpretação histórica ou método interpretativo histórico
- Método interpretativo histórico não significa que a lei tem que ser interpretada no contexto histórico do momento (econômico, moral, religioso etc), mas sim no histórico da lei
- Razões que levaram à edição daquela lei
- Ex: olhar exposição de motivos da lei para auxiliar na interpretação
- 7- Interpretação restritiva
- Para situações em que uma norma diz mais do que deveria, interpreta-se restritivamente de forma que ela alcance seu real objetivo
- Ex: Assistente do Ministério público (Art.268, CPP)
- Art. 268. Em todos os termos da ação pública, poderá intervir, como assistente do Ministério Público, o ofendido ou seu representante legal, ou, na falta, qualquer das pessoas mencionadas no Art. 31.
- Art. 31. No caso de morte do ofendido ou quando declarado ausente por decisão judicial, o direito de oferecer queixa ou prosseguir na ação passará ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão.
- Art. 271. Ao assistente será permitido propor meios de prova, requerer perguntas às testemunhas, aditar o libelo e os articulados, participar do debate oral e arrazoar os recursos interpostos pelo Ministério Público, ou por ele próprio, nos casos dos arts. 584, § 1º, e 598.
- Lendo o Art. 271 pode-se pensar que o assistente poderia propor todos os meios de prova, mas é preciso analisar a forma com que o CPP trata os meios de prova. Para as provas documentais, por exemplo, o CPP é bem liberal, permitindo sua juntada a qualquer momento do processo. Entretanto, no caso da prova testemunhal, o tratamento dado é diverso. Na ação penal pública, como o Art.41 do CPP, ao elencar os requisitos da denúncia, inclui o rol de testemunhas, somente o MP pode arrolar testemunha, situação que não se estende ao assistente do MP. Então, em uma análise sistêmica, percebe-se que o Art.271 diz mais do que deveria, pelo que se faz necessário fazer uma interpretação restritiva para retirar da norma uma prova testemunhal, que o assistente do MP não poderá propor.
- 8- Interpretação extensiva
- Quando a lei diz menos do que deveria
- Ex: Art. 34. Se o ofendido for menor de 21 e maior de 18 anos, o direito de queixa poderá ser exercido por ele ou por seu representante legal.
- Esse artigo, então, determina uma dupla legitimidade, dando ao maior de 18 anos e menor de 21 capacidade plena para apresentar queixa. Mas, e a representação?
- Na verdade, o legislador gostaria de abranger a representação, vez que se o legislador reconhece plena capacidade para a queixa, que é muito mais grave do que a representação, reconheceu também para a representação (“quem pode o mais, pode o menos”). Por isso, durante muitos anos, foi feita uma interpretação extensiva para que fosse reconhecida plena capacidade dos maiores de 18 e menores de 21, também, para a representação.
- Mas, o CPP foi elaborado sob a vigência do CC/16, em que o maior de 18 e menor de 21 era relativamente capaz. Mas, com o CC/2002, estabeleceu-se que aos 18 anos a pessoa se torna plenamente capaz, não existindo mais a figura de maior de 18 até os 21 anos. Então, sob a vigência do novo CC, deve-se fazer uma nova leitura do Art.34, pois não há mais representante legal do maior de 18 anos, uma vez que ele já é plenamente capaz. Isso não significa dizer que o CC/2002 revogou o CPP. O que houve foi uma perda de eficácia do Art.34, pois ele nos remete a uma figura que não mais existe no direito brasileiro.
- E se o ofendido for um menor de 18 anos e não tiver um representante legal, ficará desamparado? Se o ofendido é menor ou incapaz e não tem um representante legal, o juiz nomeará um curador especial
- Esse artigo, então, determina uma dupla legitimidade, dando ao maior de 18 anos e menor de 21 capacidade plena para apresentar queixa. Mas, e a representação?
- Analogia
- No direito penal só é possível uma analogia a bonan partem
- Analogia não é uma forma de interpretação, mas sim uma forma de integração
- Interpretação é quando a lei diz mal, analogia é quando a lei não diz
- Dois são os requisitos para analogia:
- 1- Inexistência de disposição legal específica para a hipótese em exame
- 2- Semelhança de essência entre a hipótese em exame e a hipótese para a qual exista previsão legal
- Qual a diferença entre a analogia e a interpretação extensiva?
- Primeiramente, a interpretação extensiva é método de interpretação e a analogia é método de integração
- A interpretação extensiva é feita quando a lei diz menos do que deveria dizer (omissão relativa), já a analogia é utilizada quando a lei não diz, há uma lacuna (omissão absoluta)
- Objetivamente, a diferença entre os dois está fundamentalmente no requisito de cada uma
- Interpretação extensiva: haver lei
- Analogia: não haver lei
- Analogia também não se confunde com interpretação analógica
- A interpretação analógica deve ser utilizada quando um dispositivo traz uma cláusula específica e depois uma genérica
- Ex: Art, 61, II, c do CP (“ou outro recurso”)
- CP, Art. 61 – São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime: II – ter o agente cometido o crime: c) à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação, ou outro recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa do ofendido;
- Outro recurso análogo àquele que foi apontado anteriormente
- Trata-se de uma técnica legislativa
- Classificações de analogia
- “Legis”
- Analogia legis, na verdade, é tudo que vimos até agora
- Omissão legislativa + semelhança entre hipóteses
- “Iuris”
- Analogia feita com princípios
- Não é a mais adequada
- Os princípios, apesar de importantes para a analgia, não servem para substituir uma lei, suprir sua ausência
- A partir do vazio da lei, passamos a usar os princípios para a reflexão que nos levará encontrar uma lei. Eles, então, traçam um caminho a ser seguido para encontrar a lei capaz de preencher a lacuna. Ou seja, no final, o que vai prender as lacunas não são os princípios, mas a própria lei, pelo que não há falar em analogia iuris, pois ela deve sempre ser feita pela pela própria lei
- Como não há analogia iuris, seria uma redundância falar em analogia “legis”, porque ele sempre será feita pela lei
- “Auto integração”
- A omissão está no código, mas encontra-se um dispositivo para supri-la no próprio código de processo penal. O Código se autointegra
- A omissão está no código e a solução para a omissão também
- Ex: Art. 26. A ação penal, nas contravenções, será iniciada com o auto de prisão em flagrante ou por meio de portaria expedida pela autoridade judiciária ou policial.
- Esse artigo não foi recepcionado pela CF
- Art.129, CF: A ação penal pública é privativa do MP
- Mas, durante o tempo de vigência desse artigo, o código não dizia quais eram os requisitos dessa portaria. Então, era necessário encontrar um dispositivo que suprisse essa lacuna
- A portaria funcionada como a peça inaugural da ação penal, se assemelhando com a denúncia (Art.24, CPP)
- A portaria estava para a contravenção penal, assim como a denúncia estava para a ação penal pública
- Enquanto existia a portaria era tinha que preencher os requisitos do art.24, CPP (analogia por autointegração)
- “Hetero integração”
- O código é omisso, mas a solução para a omissão está em outro diploma, fora do CPP
- Ex: o CPP não trata se situações em que o juiz se sente constrangido para julgar o processo, em casos, por exemplo, de um Réu ser pai de um grande amigo seu
- Mas, o CPC trata dessa situação, podendo o juiz se declarar suspeito por motivo de foro íntimo
- Então, diante da ausência de regramento específico, é possível que esse juiz invoque, por analogia de hetero integração, o dispositivo do CPC, para se declarar suspeito por motivo de foro íntimo
- “Legis”