Unidade VI- Hermenêutica Constitucional

Conceito

  • Interpretar é “determinar com precisão o sentido de um texto”
  • Hermenêutica é “a ciência que estuda a interpretação.” A interpretação anima o sistema de normas – lhe dá vida, harmoniza e pacifica

Fatores da hermenêutica constitucional

  • “Existe uma hermenêutica constitucional diferente da hermenêutica do Direito, por ter métodos próprios e princípios próprios.”
  • A) Supremacia da Constituição
    • Quando se interpreta qualquer lei ou ato normativo sempre temos que considerar a existência de um ato normativo superior, que lhe dá validade (especialmente, a Constituição). Entretanto, quando interpretamos a Constituição, não há atos normativos que lhe sejam superiores
  • B) “Diferente das demais leis, as constituições possuem um elevado número de normas com alto grau de abstração, mais princípios (normas amplas, abstratas, abertas que permitem a adaptação pelo aplicador) que regras. As leis infraconstitucionais são formadas majoritariamente por regras de conteúdo mais preciso, delimitado, determinado.”
  • C) “As normas constitucionais têm dispositivos de caráter político, ideológico, programático, demandando métodos de interpretação diferentes.”

 Perguntas da hermenêutica

  • É preciso interpretar texto efetivamente claro?
    • “In claris cessat interpretativo”
    • Até para entender que um texto é claro, já se está fazendo uma interpretação
    • “Parece um contrassenso interpretar um texto que já diz tudo, ou seja um texto claro. Porém, como saber se o texto é claro? Para saber se o texto é verdadeiramente claro, é preciso submetêlo à interpretação para encontrar o sentido apropriado da norma.”
    • Ex: : “artigo 5º, XI, da Constituição Federal afirma que ‘a casa poderá ser violada, mediante mandado judicial, durante o dia.’
      • É necessário se diferenciar o dia e a noite. O dia foi compreendido como o período de 6 as 18 h
  • Ao interpretar uma norma legal deve-se buscar a vontade do legislador ou a vontade da lei?
    • “Mens legislatoris”: Vontade do legislador– corrente subjetivista
      • Corrente pouco utilizada
      • Não existe apenas um legislador, mas  muitos legisladores, com vontades diversas
      • “Ademais, segundo o princípio da legalidade, ‘ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei’ – não se faz ou se deixa de fazer alguma coisa em virtude da vontade do legislador.”
    • “Mens legis”: Vontade da lei : corrente objetivista
      • Mais utilizada
      • Lei submetidas ao caso concreto e à realidade em que estão inseridas
      • O objetivismo “tem a vantagem de poder adaptar a lei, de forma evolutiva, à nova realidade dos fatos, aplicando a norma a casos sequer imaginados pelo legislador.” Exemplo: “como aplicar as leis penais do Código Penal de 1940 aos crimes praticados na internet
      • É de se registrar que “nada impede de se usar o subjetivismo como elemento de fundamentação, é importante, também, buscar a vontade do legislador quando da elaboração da norma, mas não apenas esta vontade.

Classificação da interpretação

  • A interpretação das normas jurídicas e das normas constitucionais é classificada de diversas formas na doutrina. Com base em Flávio Martins Alves Nunes Júnior, serão sucintamente abordadas as classificações quanto ao sujeito e aos efeitos.

Quanto ao sujeito

  1. Doutrinária : “é a interpretação feita pela doutrina, nacional ou estrangeira, por meio de livros, artigos, pareceres etc.” “A interpretação doutrinária é fruto do trabalho intelectual de juízes, advogados, professores, escritores”
  2. Judicial: é a interpretação feita pelos magistrados e Tribunais, na aplicação da norma constitucional.” “Ela acontece na aplicação direta da norma constitucional no caso sub judice e no controle de constitucionalidade
  3. Autêntica: “é a interpretação realizada pelo próprio legislador, por meio de uma lei interpretativa.” A lei tem função meramente interpretativa
    • No Direito Constitucional, a maioria da doutrina vai defender que essa interpretação não existe
      • A interpretação autêntica da norma constitucional não tem aceitação unânime da doutrina. Aqueles que aceitam a interpretação autêntica constitucional, dizem que a lei interpretativa tem que possuir natureza constitucional. Assim, seria ela possível “desde que se faça pelo órgão competente para a reforma constitucional, com a observância do mesmo procedimento desta
    • Pode ser contextual (interpretação colocada na própria lei) ou por lei posterior (outra lei trás a interpretação)
      • A interpretação autêntica pode ser contextual: “quando editada conjuntamente com a norma jurídica que a conceitua (Ex. no art. 312 do CP, está tipificado o peculato, crime praticado por funcionário público, e, no próprio CP, no art. 327, está o conceito de funcionário público.)”
      • A interpretação autêntica pode ser por lei posterior: “quando lei distinta e posterior conceitua o objeto da interpretação. (Ex. norma penal em branco).
  4. Aberta
    • Todos são intérpretes da Constituição”
    • Entra forte no Brasil na década de 90
    • “O intérprete da Constituição não pode ser apenas o Poder Judiciário ou apenas o STF”
    • No Brasil, no controle de constitucionalidade, o direito se inspirou nestas ideias. “Em recentes alterações legislativas admitiram-se o amicus curiae (manifestação de outros órgãos ou
      entidades) e as audiências públicas (depoimentos de pessoas com experiência e autoridade na matéria).”

Quanto aos efeitos

  1. Declarativa
    • O intérprete não amplia nem reduz o sentido da norma constitucional
    • Exemplo: “artigo 12, I, “a”, da CF. “São brasileiros natos os nascidos na República Federativa do Brasil.” “A melhor interpretação desse dispositivo seria os nascidos no território brasileiro.” O intérprete está esclarecendo, declarando o sentido da norma. O intérprete não está restringindo ou ampliando o sentido da norma.
  2.  Restritiva
    • “o legislador constituinte disse mais do que pretendia.” “O intérprete irá restringir o sentido da norma.”
    • Exemplo: “O STF vem se posicionando no sentido de que a imunidade tributária referida no artigo 150, VI, d, da CF deve ser interpretada restritivamente, não abrangendo todo e qualquer insumo ou ferramenta indispensável à edição de veículos de comunicação.” (RE 915.014/SE).
  3.  Extensiva
    • “o legislador disse menos do que pretendia.” “O intérprete deve ampliar o sentido da norma.”
    • Exemplo: “Artigo 5º, XI, da CF. O STF ao interpretar o conceito de casa neste dispositivo constitucional, para efeito de proteção constitucional (art. 5º. XI e CP, art. 150, § 4º, II), ampliou a noção compreendendo ‘os aposentos de habitação coletiva (como por ex., os quartos de hotel, pensão, motel e hospedaria, desde que ocupados. (RE 90.376/RJ).’”

Métodos tradicionais de interpretação da Constituição 

Métodos clássicos (jurídicos)

“A norma constitucional é interpretada como outra lei.” “Embora a norma constitucional tenha características diferentes das demais normas legais, isso não retira o seu caráter normativo, a
sua concepção enquanto lei.”

  • A) Gramatical
    • “Consiste na análise da ‘letra da lei’, da etimologia da palavra, da gramática utilizada pelo legislador, da pontuação etc.”
  • B)Lógico
    • “É o método interpretativo por meio de raciocínios lógicos
  • C)Teleológico
    • “Teleologia significa o estudo dos fins, dos propósitos, dos objetivos ou finalidades”. “O intérprete deve buscar a finalidade da norma, os objetivos da lei, não se limitando a sua literalidade.”
  • D) Histórico 
    • “O intérprete deve buscar o estado do direito existente na época da elaboração da lei. Verificando-se as alterações operadas no ordenamento jurídico, tenta-se extrair quais os reais objetivos do legislador (no caso da Constituição, do constituinte reformador).” Busca-se as intenções dos autores do texto legal.
  • E) Sistemático
    • “Sistema significa conjunto de elementos interdependentes de modo a formar um todo organizado.”
    • “O intérprete não pode interpretar um dispositivo isoladamente, de forma insulada, sob pena de chegar a conclusões equivocadas.”
    • “A Constituição é um conjunto de normas constitucionais ordenadas, é imperioso interpretar uma norma, em conjunto com as demais, sem perder a noção de sistema, de um todo.”
  • F) Tópico- problemático
    • “A tópica é a técnica do pensamento problemático.” “Preocupa-se com as especificidades do caso.” “Na prática é o método mais utilizado.”
    • “Significa esquema de raciocínio, de pensamento, uma forma de argumentação.”
    • O intérprete parte de um problema concreto, um fato da vida, para tentar ‘encaixá-lo’ na norma
      constitucional
    • “Este método parte de três premissas:
      • a) a interpretação busca resolver problemas concretos;
      • b) o caráter aberto da norma constitucional
      • c) a preferência pela discussão do problema, já que a abertura das normas constitucionais não
        permitam que sejam feitas subsunções a partir delas mesmas.”
  • G) Hermenêutico-concretizador
    • “Este método aprimora o método tópico-problemático”
    • “O intérprete parte de uma pré-compreensão da norma constitucional.” “Ele entende o conteúdo da norma a ser concretizada.”
    • “A pré-compreensão envolve a concepção particular de mundo do intérprete, mas, sobretudo, valores, tradições e preconceitos da comunidade em que ele está inserido.”
    • “A partir da pré-compreensão da norma constitucional, o intérprete faz um ‘círculo hermenêutico’ entre o fato e a norma.”
  • H) Científico espiritual
    • “Trata-se de um método valorativo sociológico
    • Leva em consideração fatores extraconstitucionais para que a Constituição seja interpretada em cada momento de acordo com a realidade social.
  • I) Normativo estruturante
    • “O intérprete deve buscar o real sentido da norma constitucional, que não se confunde com o texto constitucional (ponta do iceberg).”
    • “O teor literal de qualquer prescrição de direito positivo é apenas a ‘ponta do iceberg’, todo o resto, talvez a parte mais significativa, que o intérprete-aplicador deve levar em conta para
      realizar o direito, isso é constituído pela situação normada (expressão de Miguel Reale).”
  • J) Comparativo
    • Método por meio do qual “o intérprete da Constituição faz uma análise comparativa com a legislação de outros países.” Por meio dela “é possível estabelecer a comunicação entre várias constituições e descobrir critério da melhor solução para determinados problemas concretos

Princípios de interpretação constitucional

  • Princípio da Supremacia Constitucional (referencialidade)
    • O intérprete de uma lei “sempre deve ter como foco extrair sua validade da Constituição.” O contrário não pode ser feito. Não se interpreta a Constituição “de modo a compatibilizá-la com a
      lei infraconstitucional.”
  • Princípio da unidade da Constituição (autorreferencialidade)
    • “As normas constitucionais devem ser consideradas não como normas isoladas, mas sim como preceitos integrados num sistema interno unitário de regras e princípios.”
    • “A Constituição é um todo harmônico, é una, um dispositivo constitucional originário não pode suprimir outro. Caso haja um aparente colisão entre duas normas constitucionais originárias
      (fruto do poder constituinte originário) elas deverão ser compatibilizadas, interpretadas em conjunto de modo a manter a unidade da Constituição.”
  • Princípio do efeito integrador
    • “O intérprete deve agir de forma responsável, de modo a manter a integridade social e política.”
    • “Na resolução dos problemas jurídico-constitucionais deve dar-se primazia aos critérios ou pontos de vista que favoreçam a integração política e social e o reforço da unidade política.”
  • Princípio da máxima efetividade
    • Este princípio “visa extrair de cada dispositivo da Constituição a maior eficácia possível.”
    • Existem na Constituição normas programáticas, que precisam de políticas públicas para serem efetivadas
    • As normas Constitucionais não podem ser normas não efetivadas, seja pelo Estado, pela Sociedade civil ou organizações privadas
    • “O intérprete deve extrair de cada artigo constitucional a maior eficácia possível (sobretudo em sede de direitos fundamentais).”
  •  Princípio da força normativa
    • O intérprete deve tentar garantir a maior efetividade e, principalmente, maior longevidade e permanência da Constituição
    • “Com base nesse princípio, prevalece o entendimento de que não é mais possível uma nova revisão constitucional (1994). Isto enfraquece a longevidade constitucional.”
  • Princípio da presunção de constitucionalidade das leis
    • Regra geral: As leis e os atos normativos, pressupõe-se constitucionais
    • Segurança jurídica
    • Lei e atos normativos presumem-se constitucionais
    • Presunção relativa
    • Ou seja, uma lei ou um ato normativo, quando assim demonstrado, podem ser declarados inconstitucionais
    • ADC: Ação declaratória de constitucionalidade (gera segurança jurídica)
    • Uma vez declarada a constitucionalidade, a presunção de relativa se transforma em absoluta, com efeito erga omnes
  •  Princípio da interpretação conforme à Constituição
    • Trata-se de princípio de interpretação (decorrente da presunção de constitucionalidade das leis), mas também de um método de julgamento
    • Existência de duas ou mais interpretações razoáveis de uma mesma lei, deve o intérprete (ou julgador) optar pela interpretação segundo a qual a lei é constitucional
    • 1) Interpretação conforme com redução de texto
      • O judiciário, embora considere a norma constitucional, entende que um pequeno trecho, ou palavra, é inconstitucional, suprimindo-a
      • Ex: ADI 1.127/DF – ‘quando ao artigo 7º, § 2º, do Estatuto da OAB (Lei nº 8.906/94) que previa ao advogado três imunidades profissionais: injúria, difamação ou desacato. O STF, embora entendesse constitucional as imunidades profissionais, considerou a palavra ‘desacato’ inconstitucional: ‘a imunidade profissional do advogado não compreende o desacato, pois conflita com a autoridade do magistrado na condução da atividade jurisdicional
        • Apenas seria inconstitucional a palavra “desacato”
    • 2) Interpretação conforme sem redução de texto
      • Nesse caso, o Judiciário não declara parte da lei inconstitucional. Apesar de existir interpretação plausível pela inconstitucionalidade da norma, o Judiciário opta pela
        interpretação segundo a qual a lei é constitucional
      • Existem duas subespécies de interpretação conforme à Constituição sem redução de texto
      • 2.1) Com fixação da interpretação constitucional
        • O Judiciário determina qual a interpretação correta
        • Ex: “ADI 1.371/DF – ação julgada procedente, em parte, para sem redução de texto, dar ao artigo 80 da Lei complementar federal n. 75/93, interpretação conforme à constituição, para fixar como única exegese constitucionalmente possível aquela que admite a filiação partidária, se o membro do MP estiver afastado de suas funções institucionais, devendo cancelar sua filiação partidária, antes de reassumir essas funções, não podendo ainda, desempenhar funções pertinentes ao MP eleitoral senão dois anos após o cancelamento da filiação partidária.”
      •  2.2) Com exclusão da interpretação inconstitucional
        • A lei é constitucional, desde que não seja interpretada de determinada forma
        • O Judiciário considera a lei constitucional, mas exclui a interpretação incorreta, inconstitucional.” “A lei é constitucional, desde que não seja interpretada dessa forma …”
        • Ex: “ADI 4274 – O Relator Ministro Carlos Ayres Britto, considerou a ‘Marcha da Maconha’ (manifestação em defesa da legalização das drogas ou parte delas) constitucional, não configurando crime previsto na Lei de Drogas. Ação direta julgada procedente para dar ao § 2º do artigo 33 da Lei 11.343/06 ‘interpretação conforme à constituição’ e dele excluir qualquer
          significado que enseje a proibição de manifestação e debates públicos acerca da descriminalização ou legalização do uso de drogas ou de qualquer substância que leve o ser humano ao entorpecimento episódico, ou então viciado, das suas faculdades psicofísicas.”

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