Resumo do artigo Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito de Luis Roberto Barroso
O artigo procura estudar as causas e os efeitos das transformações ocorridas no direito constitucional contemporâneo, lançando sobre elas uma visão positiva e construtiva
NEOCONSTITUCIONALISMO E TRANSFORMAÇÕES DO DIREITO CONSTITUCIONAL CONTEMPORÂNEO
- Trajetória percorrida pelo direito constitucional nas últimas décadas, na Europa e no Brasil, levando em conta três marcos fundamentais: o histórico, o teórico e o filosófico
- Marco Histórico (do novo direito constitucional)
- Europa Continental: Constitucionalismo do pós guerra
- A principal referência no desenvolvimento do novo direito constitucional é a Lei Fundamental de Bonn (Constituição alemã[1]), de 1949, e, especialmente, a criação do Tribunal Constitucional Federal, instalado em 1951
- A segunda referência de destaque é a da Constituição da Itália, de 1947, e a subseqüente instalação da Corte Constitucional, em 1956
- Brasil: Constituição de 1988
- A Constituição foi capaz de promover, de maneira bem sucedida, a travessia do Estado brasileiro de um regime autoritário, intolerante e, por vezes, violento para um Estado democrático de direito
- Tem propiciado o mais longo período de estabilidade institucional da história republicana do país
- Sob a Constituição de 1988, o direito constitucional no Brasil passou da desimportância ao apogeu em menos de uma geração
- Europa Continental: Constitucionalismo do pós guerra
- Marco Filosófico
- Pós-positivismo
- A superação histórica do jusnaturalismo e o fracasso político do positivismo abriram caminho para um conjunto amplo e ainda inacabado de reflexões acerca do Direito, sua função social e sua interpretação
- O pós-positivismo busca ir além da legalidade estrita, mas não despreza o direito posto; procura empreender uma leitura moral do Direito, mas sem recorrer a categorias metafísicas
- Reaproximação entre direito e filosofia
- Marco teórico
- No plano teórico, três grandes transformações subverteram o conhecimento convencional relativamente à aplicação do direito constitucional:
- a) o reconhecimento de força normativa à Constituição;
- Atribuição à norma constitucional do status de norma jurídica
- Normas constitucionais são dotadas de imperatividade, que é atributo de todas as normas jurídicas, e sua inobservância há de deflagrar os mecanismos próprios de coação, de cumprimento forçado
- b) a expansão da jurisdição constitucional;
- Antes de 1945: Supremacia do Poder Legislativo (na maior parte da Europa)
- A partir da década de 40: Supremacia da Constituição
- A fórmula envolvia a constitucionalização dos direitos fundamentais, que ficavam imunizados em relação ao processo político majoritário: sua proteção passava a caber ao Judiciário
- Modelos de controle de constitucionalidade
- c) o desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional
- Aplicam-se à interpretação constitucional os elementos tradicionais de interpretação do Direito, de longa data definidos como o gramatical, o histórico, o sistemático e o teleológico
- As especificidades das normas constitucionais (v. supra) levaram a doutrina e a jurisprudência, já de muitos anos, a desenvolver ou sistematizar um elenco próprio de princípios aplicáveis à interpretação constitucional
- As categorias tradicionais da interpretação jurídica não são inteiramente ajustadas para a solução de um conjunto de problemas ligados à realização da vontade constitucional
- a) o reconhecimento de força normativa à Constituição;
- No plano teórico, três grandes transformações subverteram o conhecimento convencional relativamente à aplicação do direito constitucional:
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Em suma: o neoconstitucionalismo ou novo direito constitucional, na acepção aqui desenvolvida, identifica um conjunto amplo de transformações ocorridas no Estado e no direito constitucional, em meio às quais podem ser assinalados, (i) como marco histórico, a formação do Estado constitucional de direito, cuja consolidação se deu ao longo das décadas finais do século XX; (ii) como marco filosófico, o pós-positivismo, com a centralidade dos direitos fundamentais e a reaproximação entre Direito e ética; e (iii) como marco teórico, o conjunto de mudanças que incluem a força normativa da Constituição, a expansão da jurisdição constitucional e o desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional. Desse conjunto de fenômenos resultou um processo extenso e profundo de constitucionalização do Direito.
A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO
A idéia de constitucionalização do Direito aqui explorada está associada a um efeito expansivo das normas constitucionais, cujo conteúdo material e axiológico se irradia, com força normativa, por todo o sistema jurídico. Os valores, os fins públicos e os comportamentos contemplados nos princípios e regras da Constituição passam a condicionar a validade e o sentido de todas as normas do direito infraconstitucional. Como intuitivo, a constitucionalização repercute sobre a atuação dos três Poderes, inclusive e notadamente nas suas relações com os particulares.
- Repercussão da Constitucionalização
- Legislativo
- limitação da discricionariedade
- Imposição de determinados deveres de atuação para realização de direitos e programas constitucionais
- Administração Pública
- Limitação da discricionariedade
- Imposição de deveres de atuação
- Fornecimento de fundamento de validade para a prática de atos de aplicação direta e imediata da Constituição, independentemente da interposição do legislador ordinário
- Judiciário
- Parâmetro para o controle de constitucionalidade
- Condiciona a interpretação de todas as normas do sistema
- Particulares
- Limitações à sua autonomia da vontade
- Legislativo
A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO NO BRASIL
- O direito infraconstitucional na Constituição
- Todos os principais ramos do direito infraconstitucional tiveram aspectos seus, de maior ou menor relevância, tratados na Constituição
- Na medida em que princípios e regras específicos de uma disciplina ascendem à Constituição, sua interação com as demais normas daquele subsistema muda de qualidade e passa a ter um caráter subordinante
- Interferência nos limites de atuação do legislador ordinário e com a leitura constitucional a ser empreendida pelo Judiciário em relação ao tema que foi constitucionalizado
- A constitucionalização do direito infraconstitucional
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A Constituição figura hoje no centro do sistema jurídico, de onde irradia sua força normativa, dotada de supremacia formal e material. Funciona, assim, não apenas como parâmetro de validade para a ordem infraconstitucional, mas também como vetor de interpretação de todas as normas do sistema
- filtragem constitucional : toda a ordem jurídica deve ser lida e apreendida sob a lente da Constituição
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- A constitucionalização do Direito e seus mecanismos de atuação prática
- Esta realização concreta da supremacia formal e axiológica da Constituição envolve diferentes técnicas e possibilidades interpretativas, que incluem
- o reconhecimento da revogação das normas infraconstitucionais anteriores à Constituição (ou à emenda constitucional), quando com ela incompatíveis;
- a declaração de inconstitucionalidade de normas infraconstitucionais posteriores à Constituição, quando com ela incompatíveis;
- a declaração da inconstitucionalidade por omissão, com a consequente convocação à atuação do legislador
- a interpretação conforme a Constituição
- O Judiciário estaria autorizado a invalidar um ato do Legislativo, mas não a substituí-lo por um ato de vontade própria
- Esta realização concreta da supremacia formal e axiológica da Constituição envolve diferentes técnicas e possibilidades interpretativas, que incluem
ALGUNS ASPECTOS DA CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO
- Direito Civil
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O processo de constitucionalização do direito civil, no Brasil, avançou de maneira progressiva, tendo sido amplamente absorvido pela jurisprudência e pela doutrina, inclusive civilista. Aliás, coube a esta, em grande medida, o próprio fomento da aproximação inevitável
- Ainda se levantam, aqui e ali, objeções de naturezas diversas, mas o fato é que as resistências, fundadas em uma visão mais tradicionalista do direito civil, dissiparam-se em sua maior parte. Já não há quem negue abertamente o impacto da Constituição sobre o direito privado
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- Direito Administrativo
- O direito constitucional e o direito administrativo têm origem e objetivos comuns: o advento do liberalismo e a necessidade de limitação do poder do Estado
- Na quadra presente, três conjuntos de circunstâncias devem ser considerados no âmbito da constitucionalização do direito administrativo
- A existência de uma vasta quantidade de normas constitucionais voltadas para a disciplina da Administração Pública
- A sequencia de transformações sofridas pelo Estado brasileiro nos últimos anos
- A influência dos princípios constitucionais sobre as categorias do direito administrativo
- Por fim, mais decisivo que tudo para a constitucionalização do direito administrativo, foi a incidência no seu domínio dos princípios constitucionais – não apenas os específicos, mas sobretudo os de caráter geral, que se irradiam por todo o sistema jurídico
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A partir da centralidade da dignidade humana e da preservação dos direitos fundamentais, alterou-se a qualidade das relações entre Administração e administrado, com a superação ou reformulação de paradigmas tradicionais. Dentre eles é possível destacar:
- a redefinição da ideia de supremacia do interesse público sobre interesse privado
- a vinculação do administrador à Constituição e não apenas à lei ordinária
- a possibilidade de controle judicial do mérito do ato administrativo
- Direito Penal
- A Constituição tem impacto sobre a validade e a interpretação das normas de direito penal, bem como sobre a produção legislativa na matéria
- o texto constitucional impõe ao legislador o dever de criminalizar determinadas condutas, assim como impede a criminalização de outras
CONSTITUCIONALIZAÇÃO E JUDICIALIZAÇÃO DAS RELAÇÕES SOCIAIS
- Sob a Constituição de 1988, aumentou de maneira significativa a demanda por justiça na sociedade brasileira.Em primeiro lugar, pela redescoberta da cidadania e pela conscientização das pessoas em relação aos próprios direitos. Em seguida, pela circunstância de haver o texto constitucional criado novos direitos, introduzido novas ações e ampliado a legitimação ativa para tutela de interesses, mediante representação ou substituição processual
- Uma das instigantes novidades do Brasil dos últimos anos foi a virtuosa ascensão institucional do Poder Judiciário. Recuperadas as liberdades democráticas e as garantias da magistratura, juízes e tribunais deixaram de ser um departamento técnico especializado e passaram a desempenhar um papel político, dividindo espaço com o Legislativo e o Executivo
- Pois bem: em razão desse conjunto de fatores – constitucionalização, aumento da demanda por justiça e ascensão institucional do Judiciário –, verificou-se no Brasil uma expressiva judicialização de questões políticas e sociais, que passaram a ter nos tribunais a sua instância decisória final
CONCLUSÃO
- O novo direito constitucional ou neoconstitucionalismo desenvolveu-se na Europa, ao longo da segunda metade do século XX, e, no Brasil, após a Constituição de 1988. O ambiente filosófico em que floresceu foi o do pós-positivismo, tendo como principais mudanças de paradigma, no plano teórico, o reconhecimento de força normativa à Constituição, a expansão da jurisdição constitucional e a elaboração das diferentes categorias da nova interpretação constitucional
- Fruto desse processo, a constitucionalização do Direito importa na irradiação dos valores abrigados nos princípios e regras da Constituição por todo o ordenamento jurídico, notadamente por via da jurisdição constitucional, em seus diferentes níveis. Dela resulta a aplicabilidade direta da Constituição a diversas situações, a inconstitucionalidade das normas incompatíveis com a Carta Constitucional e, sobretudo, a interpretação das normas infraconstitucionais conforme a Constituição, circunstância que irá conformar-lhes o sentido e o alcance
- A constitucionalização, o aumento da demanda por justiça por parte da sociedade brasileira e a ascensão institucional do Poder Judiciário provocaram, no Brasil, uma intensa judicialização das relações políticas e sociais.
- Tal fato potencializa a importância do debate, na teoria constitucional, acerca do equilíbrio que deve haver entre supremacia constitucional, interpretação judicial da Constituição e processo político majoritário. As circunstâncias brasileiras, na quadra atual, reforçam o papel do Supremo Tribunal Federal, inclusive em razão da crise de legitimidade por que passam o Legislativo e o Executivo, não apenas como um fenômeno conjuntural, mas como uma crônica disfunção institucional .