1.4- Perigo abstrato, ofensividade e Direito Penal supraindividual

“A tipificação de condutas perigosas agiganta-se em anos mais recentes. Obviamente, tal antecipação da tutela penal traz problemas dos mais diversos. É sabido que todo o Direito Penal tradicional se baseia na ideia de lesão a um bem jurídico, sendo que o perigo sempre foi utilizado excepcionalmente. Todavia, em razão de uma nova necessidade protetora, a exceção vem tornando-se regra”

  • Relembrando o conceito de ofensividade/lesividade
    • Versa o princípio da ofensividade que não há crime sem lesão ou perigo de lesão a um bem jurídico alheio. Também é conhecido como princípio da lesividade.
    • Só é permitido criminalizar condutas que ofendam a um bem jurídico

Crimes de Dano 

Crimes de dano são aqueles que só se consumam com a lesão efetiva de um bem ou interesse jurídico, enquanto os crimes de perigo aperfeiçoam-se com a probabilidade de dano ao bem jurídico.

  • O bem jurídico protegido é efetivamente ofendido, agredido

Crimes de perigo 

  • Existe uma grande probabilidade da conduta gerar a ofensa do bem jurídico
  • Legislador antecipa a punibilidade
  • Crime de perigo concreto 
    • Neste tipo penal a consumação se dá com o resultado, exige uma comprovação de que realmente houve perigo de risco e de que houve uma lesão ao bem jurídico
    • Crime de perigo concreto é aquele que, para o aperfeiçoamento do tipo, exige-se a verificação efetiva do perigo, devendo este ser constatado caso a caso. Segundo a maioria da doutrina, neste delito o perigo é indicado no modelo legal, ou seja, constitui elemento do tipo.
    • Legislador não consegue dizer com toda certeza que aquela situação é perigosa. Então, é necessária a análise do caso concreto 
    • Por isso, nos tipos penais de crimes de perigo concreto existem expressões como “causando perigo”, “desde que cause perigo”, “possam resultar em danos”, dentre outras. Dessa forma, o legislador determina a análise do caso concreto para que seja definido se determinada conduta gera ou não perigo ao bem jurídico tutelado
    • Não existe presunção legal, contudo, a configuração do crime vai depender de comprovação concreta de que existiu risco de perigo e de lesão
    • Ex: Lei 9.605, Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora: Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.
  • Crimes de perigo abstrato 
    • Crime de perigo abstrato é aquele cujo perigo é ínsito na conduta e presumido, segundo a maioria da doutrina, iuris et de iure. Enquanto os crimes de perigo concreto pressupõem a afirmação do perigo no caso concreto a posteriori, os crimes de perigo abstrato já o têm definido a priori.
    • É o perigo que já é considerado pela lei (de maneira presumida) por simplesmente praticar conduta típica
    • “Trata-se de presunção legal absoluta de perigo, independentemente de instrução probatória. O legislador aplica uma pena àquela conduta por considerar que ela seja perigosa, ainda que não venha a existir o perigo real no caso concreto“.

    • Ex: Código de trânsito brasileiro, Art. 306.  Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência: Penas – detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Uso no Direito Penal Supraindividual

  • Se fosse preciso aguardar o dano para punir, o Direito Penal não teria eficácia nas situações difusas, os danos seriam muito graves. Por isso, nessa área, a antecipação se faz necessária, consequentemente, existem muitos crimes de perigo no Direito Penal supraindividual
  • “No campo prático, o legislador tem-se utilizado crescentemente da tutela de bens
    jurídicos mediante incriminação com o modelo de tipos de perigo abstrato. E isso decorre em grande parte da natureza das coisas, pois há bens, como o meio ambiente e a ordem econômica, que pareciam inesgotáveis e hoje são fonte de inquietação, exigindo, em certos casos, uma tutela antecipada”.
  • “Os crimes de perigo abstrato, por vezes, apresentam-se como o único recurso possível para empreender-se uma séria e real tutela da ordem econômica e do meio
    ambiente. O princípio da ofensividade é, portanto, observado, sempre que o tipo penal tiver por finalidade proteger bens jurídicos, sendo que alguns, por suas características, tais como o meio ambiente, a ordem econômica, a fé pública e a saúde pública, entre outros, só podem ser, em certos casos, eficazmente tutelados de forma antecipada mediante tipos de perigo abstrato, seja em razão dos resultados catastróficos que um dano efetivo traria, seja pela irreversibilidade do bem ao estado anterior ou pelo fato de não se poder mensurar o perigo imposto em certas circunstâncias”.
  • Tendência tradicional
    • O uso de perigo abstrato é inconstitucional e agride o princípio da ofensividade
  • Tendência oposta
    • Não há problema no uso do perigo abstrato
    • Direito Penal como prima ratio
  • Posição intermediária (defendida pelo professor)
    • Não há inconstitucionalidade no uso do perigo abstrato, desde que não seja usado como uma forma de mascarar a administrativização do Direito Penal
    • Direito Penal ainda tem que ser usado como utlima ratio, mas eventualmente precisa se antecipar para garantir a efetiva proteção do bem jurídico

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